quinta-feira, 19 de abril de 2012

O Sonho, Parte 2

O problema não vem quando acordo, por simplesmente lembrar de toda a dor e estar suando frio. Não dói mais os arranhões, as escoriações, os cortes… do que simplesmente saber que quando eu dormir, voltarei lá. Para além dos sonhos.

O Homem de Preto.

Estava sentado. Esperando aquele maldito brutamonte e a garota. Esperava aquele negro cor de ébano e fétido como cigarro em dia de chuva. Ele havia indo longe, até uma velha casa, sem nem muito que dizer. Não havia pergunta e então não houve resposta. Acho que isso nos torna bons amigos afinal.

As horas passavam, e a cidade ficava cada vez mais silenciosa. Era como estar num filme de terror. E teria rido disso, se não houvesse um cadáver nos meus pés. Um homem velho e uma senhora. Ambos mortos com um tiro na cabeça. Triste fim. E eu olhava aquilo tudo com muita simplicidade como se fosse um investigador de autópsia saboreando um novo crime. Talvez fosse. Lembrei então da violinista. Minha preocupação. O ébano havia ido buscar a garota. Que tinha se perdido, e agora, acredito que ele também se perdeu. Andei até um rancho próximo, analisei os cadáveres uma ultima vez sob as poucas luzes que iluminavam naquela chuva toda. Imaginei quanto tempo não se passara desde que morreram. Bastante, pensei.

Pensei no quanto tempo estava ali. Havia longo tempo desde o ultimo sono. Então deixei o corpo cair no chão, sentando sobre minhas pernas cruzadas em cima de um pedaço do sobretudo.

Pelas ruas passavam alguns carros, pessoas, como se nada houvesse ocorrido. Talvez a chuva dificultasse que os corpos fossem encontrados. Quase dormi ali mesmo, mas tive o sono interrompido.

-          Viu um homem negro, garoto? Perguntava um cara de seus quarenta anos e com a roupa um tanto dilacerada.

-          Bem que gostaria, porque? Houve algum problema?

-          Nada não, se os dois cadáveres ali não te espantam, acredito mesmo que nada não. – lançou seu melhor sarcasmo para mim.

-          Tinha mais desses  aí que lhe pegaram? Olhei para ele e aguardei.

-          Os zumbis? Matei os que estavam por aqui. Conhece o que esta acontecendo?

-          Infeccioso? Indaguei por cima da pergunta dele.

-          Não, acho que estou bem.

-          Posso ver?

-          O que?

-          Os ferimentos.

-          Porque?

-          Posso?

Ele então se virou um pouco, mostrando o ombro e vários arranhões e mordidas, nada bizarro, pois humanos não possuem tanta força pra dilacerar como outros animais. Apenas mordidas e arranhões leves. Nada grave, pensei momentaneamente. Analisei o homem um pouco para ver se ele reagia diferente. E nada me vinha a mente. Parecia que aquelas pessoas faziam aquilo não por algum vírus apocalíptico, parecia algo mais hipnótico. Macaiah diria algo concreto, diria que era serviço da mulher de vermelho. E eu teria acreditado e esperado o sonho terminar. Mas não pude. Estava preocupado com eles. Com só dois, o negro que cheirava a cigarro e com ela, Macaiah.

Sai daquele bairro, andando mais pelas ruas movimentadas. As pessoas agiam normais, o que parecia cada vez menos normal. O que me alertava de estar criando uma paranoia. Acelerei meus passos. Nada. Não havia nenhuma pista de onde ele havia passado. Segui andando. Não demorou mais que uns trinta minutos de caminhada pelas ruas para achar um posto vazio da policia. Estava a caminho da saída da cidade. Voltei um pouco e parei para olhar o mar pela lateral de uma pista que dava uma bela vista. Era noite e pouco era visível. Mas mesmo assim avistei um farol girando sua luz ao longo de uma enorme costa. E algo brilhou naquela direção, como um clarão rápido de um relâmpago. Já sabia o que fazer. Seguir.

Andando pela beira-mar descobri-me só. Fiquei mais calmo. Ouvia as ondas como uma trilha sonora para mais uma noite desagradável. Outros clarões vieram. Eu seguia tranquilamente. Saquei um cigarro, lembrei de alguém do passado, guardei-o. Cheguei então numa espécie de rochedo. Fui devagar, subindo, e aproximei-me do farol. Um homem caiu, na minha frente. Do céu. Ele era feio e desfigurado. Ficou ainda mais. Um jorro de sangue caiu segundo após. Mas doeu quando uns três pedaços grandes como uma mão, de vidro caíram no meu ombro, braço e pé. Caí. Mas ainda vi um negro no alto da torre. Escureceu. E houve a queda.

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