domingo, 1 de abril de 2012

Um Sonho Indicativo


Acordei. Senti o peso da queda. Mas era a Queda, aquela diferente. Estava só em uma rua enevoada. Sentia o frio cortar a alma e medo daquele clima amarelado em uma noite desconfortável. Olhei a minha volta. Uma rua larga, postes de luzes que davam o tom amarelo a nevoa e uma casa estranha de madeira. Entrei.

No seu interior era desconfortável. Lembrava a aquelas casas centenárias cujo teto precisa ser escorado em algumas vigas improvisadas para não cair. Andei. Luzes, não haveria se não houvesse alguém ali. Então passei a caminhar em passos curtos de receio, com aquele leve gosto de medo na boca. Aquele gosto que faz secar sua garganta quando seu corpo sente um futuro momento de desespero. Vi então um lance de escadas que desciam para algum lugar. Escuridão no fim do curso. Hesitei. Na pura falta de bom senso comecei lentamente a descer. Porque simplesmente nessas horas você se pergunta o que faz ali. Como eu não sabia o que fazia ali, então eu continuei. Mas talvez se soubesse, teria saído correndo, pois teria o que ponderar. O caminho até que era curto, menos degraus do que parecia. Então parei ante uma porta grande de madeira. Fiquei um momento contemplando enquanto me sentia num jogo, daqueles onde o protagonista entre em masmorras para buscar artefatos antigos. Senti uma centelha de confiança e continuei para além da porta.

Saí num pátio, e dos grandes, com toda aquela neblina e umas poucas arandelas muito antigas a iluminar o lugar em alguns cantos. Andei então, para reconhecer o lugar. Era imenso e solitário. Chão batido, sem gramado e nem se quer um móvel ou brinquedo para alguma criança. Andei até o outro lado. Aproximei-me do que seria uma cerca, daquelas de madeira. Olhei além, mais uma casa talvez, uma pequena ponte por cima de um lago de água escura, provavelmente a casa de algum rico egocêntrico do lugar, ou melhor, o pátio dele. Então dei uma ultima olhada para lá e me virei para ir embora. Tensão. Senti uma presença na casa, definitivamente havia algo ruim lá. Tudo naquela direção pareceu meio aterrador. Voltei-me para a cerca. Olhei novamente, agora havia o que ponderar. Nenhum dos dois lugares era agradável. Parei para pensar, senti então a presença de uma garota, na verdade, vi sua silhueta escura no pátio à frente. Lembrei-me de minha determinação treinada, como daqueles garotos que esperam um apocalipse zumbi, e não perdem isso na vida adulta. Escolhi então.

Andava agora pelas pontes que cruzavam uma lagoa de águas negras. Medo. Sentia um medo forte da água negra. Pois é como olhar para aqueles vidros de filme policial, na salinha do interrogatório, você sabe que há algo ali do outro lado te observando. Andei mais rápido. Passei por entre arbustos, e continuei, mesmo com eles começando a tomar formas quase humanas. Mesmo quando eles pareciam querer me devorar, ainda andei mais rápido. Sentia agora o cheiro, o cheiro da pessoa. A névoa era espessa naquele ponto, quase me tirando toda a visibilidade. Confiei nos passos cegos e temerosos para continuar. Andei mais lentamente. Os arbustos acabaram. Agora estava diante de alguma construção. A esta altura da caminhada, nem me lembrei de ponderar.
Continuei meu caminho até que a nevoa começou a desparecer. Passos com mais calma. Cansado. Andei até uma grande parede com uma porta. Como se estivesse para entrar num castelo gigante por uma passagem no muro. Continuei, abrindo a porta e descobrindo o outro lado. Uma nova realidade.

Calmamente meus olhos se adaptavam a nova realidade, parado diante de uma rua com postes e luzes claras. Sem nevoas desta vez. Do outro lado, sob o luar calmo uma casa. Uma casa comum, de alvenaria, com luzes e vozes comuns. Alivio. Andei até lá, alguma pessoas me olhavam, como se fosse eu algum convidado. Continuei. Passei por duas garotas de sues doze anos e um menino do qual elas cuidavam. Passei e olhei alguns casais na lateral direita, numa área aberta, conversando sobre assuntos diversos. Olhei no fundo de uma garagem, uma garota loira e um rapaz de cabelos encaracolados de minha altura ou perto disso. Andei mais, cheguei perto de um senhor perto de uma mulher de costas para mim. Ele me encarava e analisava cada detalhe de minha alma. Ele estava cortando algumas carnes. Lembrei que por acaso não sentia fome. Ignorei alguns detalhes. Passei por uma moça sentada de cabeça baixa e com corpo parcialmente voltado para o outro lado. Cheguei ao lado daquele senhor. E minha realidade mudava mais uma vez. Surpresa.

O senhor me olhou e me deu um oi parcialmente convidativo e parcialmente analítico. Senti-me então bem, convidado. Olhei para trás, para analisar a tal festa, lembrei que conhecia aquele lugar. Lembrei que não pelos meus olhos, mas por alguém. Tarde demais para saber de quem era a lembrança, a pessoa estava ali. A silhueta, o cheiro, a lembrança, eram tudo parte do cenário da vida daquela pessoa. A moça antes sentada e de corpo virado que eu havia ignorado, me olhava com sorriso animado. Surpreso, não me movi. Fiquei parado observando ela lentamente levantar, ajeitar seus cabelos negros e lisos, ajustar o vestido que usava uma espécie de vestido rosado com bordados, comum para festas em família. Ela sorria e segurava em minha mão. Para então me dizer co ma voz mais doce do mundo. – Eu sabia que você viria, esperei por muito tempo sem nada poder fazer, mas sabia que viria.

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